O Futuro presente: Fé e Crença: o garato Pi e o Tigre    
 Fé e Crença: o garato Pi e o Tigre0 comments
picture6 September 2013

No fim do ano passado, Frederico Zanatta publicou uma entrevista comigo na Revista Babel da ECA/USP com o titulo "O princípio de não acreditar em nada". Veja [link] A entrevista, ainda que muito bem escrita, inteligente e bem humorada, deixou necessariamente algumas questões para esclarecer, aprofundar e ampliar. Voilá.

"Fé e Crença & PI e o Tigre"
por Max Sandor

Em conclusão, o que eu estou fazendo? O meu papel não é o de um mestre, professor ou guru. Já fiz tudo isso, curti o tempo e a gente, e no final fui para frente. O meu papel é apontar na direção das coisas mágicas que foram esquecidas nas nossas vidas, e fazer reaparecer idéias que pareciam perdidas nas memórias dos Seres. O meu conselho não é sobre o que fazer na vida, mas sobre o que se pode fazer para mudar o que não agrada, e trazer ou ampliar o que estava em falta. As minhas sugestões não são moralistas, nem frontal, nem sutilmente, e sim indicações de quais 'processos de transformação' a ser efetuados, para aquilo que se quer realizar. Escolhemos entre milhares de processos que eu coletei durante meio século, em várias partes do mundo, para achar e realizar o caminho mais eficaz para cada um na sua situação atual e especifíca. Assim a transformação se transforma em auto-iniciação. Só por si mesmo é possível avançar. Só o que se sabe fazer por si mesmo tem um valor incomensurável.

Por isso, o meu método para o progresso espiritual proíbe doutrinação por princípio e reduz a teoria a modelos mínimos e simples. Isto não exclui compartilhar as minhas observações individuais que poderiam bem servir como inspirações num diálogo platônico.

Então, olhemos a questão da crença sem a pretensão de chegar a uma perspectiva conclusiva. As palavras Fé e Crença tem uma história impressionante de falsificações e erros deliberados e/ou ingênuos, de interpretação. Vamos analisar a situação do garoto Pi, num dos filmes mais lindos jamais feitos. Perdido no meio do mar, ele precisa sobreviver num barco pequeno, junto com um tigre. Essa metáfora espelha a nossa mente, a nossa luta interna entre a confiança do que se poderia fazer e aquilo que as nossas próprias crenças nos permitem enxergar.

Nesta situação esquisita, o garoto Pi se lembra de como o seu pai, dono de um pequeno circo, adestrou tigres. Ele encontra um manual com instruções, passo a passo, de como tornar uma besta num animal adestrado ao menos a ponto de não mais atacar. É esse conhecimento que lhe dá na possibilidade de sobreviver. Ele começa um processo sistemático e elaborado de adestramento, que leva dias de trabalho exato e definido. Ele não reza, não canta mantras, não espera por um salvador para resgata-lo dessa situação - ele age. Ele tem de verdade.

Do outro lado do barco, a besta está presa nos pressupostos básicos da sua sobrevivência como organismo. Ela só acredita no que ela vê no seu ambiente imediato, e os mecanismos dele. Ela acredita nas aparências óbvias do que acontece em volta dele. Sem estratégia ou conhecimento e sem recursos mentais, ela espera um momento quando o fome cresce maior do que o seu medo. As suas premissas nem estáo falsas. É simples que ela só tem os recursos da crença. Sem estratégia ou conhecimento e sem recursos mentais, ela espera pelo momento quando a fome será maior do que o seu medo. As suas premissas não são falsas, mas é ela só tem os recursos da crença.

Deixar as nossas crenças é um processo longo e árduo como o adestramento de um tigre faminto. Não é para aqueles que querem só relaxar e curtir o por-do-sol. É preciso conhecimentos de como lidar com os paradoxos nas nossas mentes, como comunicar consigo mesmo. Olhar o que precisa ser olhado no presente, sem esperar que outros tragam um futuro melhor, e sem se perder num passado que já era.

Precisamos de fé, sim, no sentido da filosofia grega pistis: a confiança naquilo que se sabe. Precisamos desenvolver a nossa própria epistemologia, o conhecimento do nosso próprio conhecimento. Nós absolutamente não precisamos das encrencas das crenças, das premissas ilógicas e sem provas que conduzirá inevitavelmente à corrupção, violência e escravidão. Porém, precisamos, sim, de fé também no sentido do latim fides: "adesão absoluta do espírito àquilo que se considera verdadeiro".

Precisamos nos fiar em nós mesmos!

------------------------------
Max no Web: https://www.maxsandor.com
e no Facebook: https://www.facebook.com/MaximilianSandor


[< Back] [O Futuro presente]


0 comments


Your Name:
Your URL: (or email)
Subject:       
Comment:
For verification, please type the word you see on the left:


[< Back] [O Futuro presente] [PermaLink]?  [TrackBack]?